Quando a Natureza Ameaça a Rede elétrica: Uma Estratégia Operacional para a Gestão de Risco Arbóreo
- Mathaus Silva
- 1 de out.
- 8 min de leitura
Gestão de Risco Arbóreo: como prevenir quedas de árvores na rede elétrica

A interferência da vegetação na infraestrutura elétrica é um desafio persistente e oneroso para as concessionárias de energia, resultando em interrupções significativas e custos elevados. Este artigo explora como a adoção de estratégias operacionais avançadas, impulsionadas por tecnologias como sensoriamento remoto e inteligência artificial, pode transformar a gestão de risco arbóreo de uma abordagem reativa para um modelo preditivo e proativo, garantindo maior resiliência e eficiência para a rede de distribuição.
Por que árvores representam um risco crítico para redes de distribuição

A coexistência entre a vegetação e as redes de distribuição de energia elétrica é uma fonte contínua de vulnerabilidade operacional. A queda de árvores, galhos, ou o contato direto da folhagem com os condutores, são fatores preponderantes para a ocorrência de interrupções não programadas no fornecimento de energia. Em Minas Gerais, por exemplo, a Cemig reportou que a vegetação foi a causa de quase 44 mil ocorrências de falta de energia em 2022, consolidando-se como o principal vetor de desligamentos acidentais [1]. Similarmente, a Cerbranorte atribui 80% de suas ocorrências a problemas relacionados a árvores [2]. Este cenário não é um fenômeno isolado no Brasil, mas um desafio global que exige investimentos substanciais em estratégias de manutenção e mitigação de riscos.
Impacto operacional e financeiro das quedas arbóreas
O impacto das interrupções causadas pela vegetação transcende a mera inconveniência para o consumidor, gerando consequências operacionais e financeiras diretas e indiretas para as concessionárias:
Custos de Reparo e Mobilização: A necessidade de mobilizar equipes de emergência, substituir equipamentos danificados como postes e cabos, e realizar reparos complexos, representa um custo significativo. A Equatorial, no oeste do Pará, destinou cerca de R$ 4,8 milhões em 2023 para reparos e ações preventivas relacionadas à vegetação [5].
Penalidades Regulatórias: A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) impõe multas rigorosas às distribuidoras que não cumprem os indicadores de continuidade do serviço, como o DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) e o FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) [4].
Perda de Receita: A energia não entregue durante as interrupções resulta em receita irrecuperável para as concessionárias.
Danos Econômicos Ampliados: A falta de energia elétrica paralisa comércios, indústrias e serviços essenciais, como hospitais e o agronegócio, gerando um efeito cascata de prejuízos para a economia local. A cooperativa Cegero, em Santa Catarina, registrou um prejuízo direto de R$ 107.000 em 2020 devido a quedas de árvores [3].
Limitações dos métodos tradicionais de inspeção e poda
Tradicionalmente, a gestão da vegetação tem se apoiado em duas abordagens principais, ambas com limitações significativas no contexto atual de exigência de resiliência e eficiência:
Manutenção Corretiva: Caracteriza-se pela intervenção após a ocorrência da falha. Embora inevitável em certas circunstâncias, é o método mais dispendioso e com maior impacto na qualidade do serviço, pois exige ações emergenciais, muitas vezes sob condições adversas e com alta pressão para o restabelecimento.
Manutenção Preventiva Cíclica: Envolve a poda e supressão de vegetação em intervalos predefinidos, baseados em inspeções visuais periódicas. Apesar de ser mais eficaz que a corretiva, esta abordagem é inerentemente ineficiente. Ela trata todas as áreas de forma homogênea, sem considerar o risco real e dinâmico de cada ponto. Isso resulta em gastos desnecessários em zonas de baixo risco e, paradoxalmente, na negligência de pontos críticos que podem falhar antes do próximo ciclo de poda programado.
A falha central de ambos os métodos reside na ausência de uma análise de risco dinâmica, preditiva e individualizada, que permita priorizar recursos e intervenções de forma inteligente.
Estratégias modernas de gestão de risco arbóreo
A transformação digital no setor elétrico abriu caminho para uma gestão de vegetação proativa e orientada por dados. Tecnologias de sensoriamento remoto, como LiDAR (Light Detection and Ranging), imagens de satélite de alta resolução e drones, combinadas com Inteligência Artificial (IA) e a construção de gêmeos digitais, estão revolucionando essa área. Essas soluções permitem modelar a vegetação em 3D, avaliar a saúde das árvores e prever riscos, mas geralmente envolvem investimentos elevados em equipamentos especializados e complexidade operacional.
O LiDAR, por exemplo, permite a criação de modelos 3D precisos da vegetação e da rede elétrica, identificando com exatidão a distância entre árvores e condutores. Drones equipados com câmeras multiespectrais e térmicas podem avaliar a saúde da vegetação, detectando doenças ou estresse hídrico que aumentam o risco de queda. A IA, por sua vez, processa esses vastos volumes de dados, cruzando-os com informações meteorológicas, históricas de falhas e características da espécie arbórea, para prever o crescimento da vegetação e identificar árvores com maior probabilidade de causar interrupções.
Por exemplo, projetos acadêmicos e comerciais utilizam LiDAR e modelagem 3D para identificar pontos críticos de poda e simular o impacto de ventos em árvores, enquanto sistemas de IA, cruzam dados climáticos e históricos para otimizar cronogramas de manutenção e reduzir custos. Embora essas soluções sejam eficazes, existem alternativas mais acessíveis e práticas, como o Street Census, que utiliza câmeras 360 em veículos para mapear e classificar árvores sem necessidade de sensores caros, mantendo precisão operacional e velocidade de monitoramento.
Metodologia operacional recomendada
Para gestores e engenheiros do setor, a transição para um modelo preditivo de gestão de risco arbóreo pode ser estruturada em um processo de quatro etapas:
1. Mapeamento e Inventário Digital da Vegetação
O ponto de partida é a criação de um inventário digital abrangente da vegetação ao longo de toda a rede. Isso envolve a coleta de dados geoespaciais de alta precisão. Cada árvore é mapeada, registrando-se sua localização exata, altura, espécie (quando possível), diâmetro do tronco e, crucialmente, a distância tridimensional em relação aos condutores. Esses dados são então enriquecidos com informações topográficas, dados históricos de falhas na rede, modelos meteorológicos de previsão de ventos e dados fitossanitários para avaliar a saúde das árvores. Este conjunto de dados alimenta algoritmos de Machine Learning que geram um "mapa de calor" de risco, classificando cada árvore ou segmento de vegetação.
2. Classificação Preditiva de Risco e Priorização
Com base no inventário digital, os algoritmos de IA classificam o risco de cada árvore ou segmento de vegetação. Esta classificação considera múltiplos fatores, como a proximidade da rede, a saúde da árvore, o histórico de ventos na região e o potencial de crescimento. A priorização das intervenções é então realizada de forma dinâmica, focando nos pontos de maior criticidade.
Checklist para Classificação de Risco Arbóreo:
Risco Alto: Árvore com saúde debilitada (doença, praga, dano estrutural) E/OU proximidade crítica da rede E/OU localizada em zona de ventos fortes. Ação: Poda ou supressão imediata (prazo < 30 dias).
Risco Médio: Árvore saudável com projeção de crescimento que a colocará em zona de risco nos próximos 6-12 meses. Ação: Agendamento de poda no próximo ciclo de manutenção otimizado.
Risco Baixo: Árvore de pequeno porte, crescimento lento ou localizada a uma distância segura da rede. Ação: Apenas monitoramento digital a cada 12-24 meses.
3. Otimização de Rota e Logística com IA
Uma vez que os pontos de risco são identificados e priorizados, a alocação de recursos deixa de ser baseada em ciclos fixos e passa a ser orientada pela criticidade. Softwares de otimização, alimentados por IA, analisam os pontos de risco "Alto" e "Médio" e calculam as rotas mais eficientes para as equipes de poda. Isso permite consolidar intervenções por área geográfica, minimizando o tempo de deslocamento, reduzindo o consumo de combustível e maximizando a produtividade das equipes, direcionando o esforço para onde ele é estatisticamente mais necessário.
4. Monitoramento Contínuo e Ajuste Preditivo
O sistema preditivo não é estático. O monitoramento contínuo da vegetação, utilizando imagens de satélite e drones, permite atualizar o inventário e a classificação de risco em tempo real. Novos dados de crescimento, condições climáticas e falhas são incorporados aos modelos de IA, que ajustam as previsões e as prioridades de intervenção, garantindo que a estratégia operacional esteja sempre alinhada com a realidade do campo.
Benefícios esperados e ROI
A transição para uma gestão preditiva de risco arbóreo gera um Retorno Sobre o Investimento (ROI) claro e multifacetado para as distribuidoras de energia. Os benefícios incluem:
Redução de Custos Operacionais (OPEX): Ao focar as intervenções apenas nas áreas de risco comprovado, é possível alcançar uma diminuição significativa nos custos anuais de poda, que pode chegar a 30% ou mais, em comparação com os métodos cíclicos tradicionais [9].
Melhora dos Indicadores de Continuidade (DEC/FEC): A redução do número e da duração das interrupções de energia, diretamente ligada à prevenção de quedas de árvores, resulta em um melhor desempenho regulatório, evitando multas e aprimorando a satisfação do cliente.
Aumento da Segurança Operacional: A diminuição da necessidade de intervenções emergenciais em condições adversas reduz a exposição das equipes a riscos e minimiza acidentes com a população.
Longevidade dos Ativos: A prevenção de danos causados por quedas de árvores a postes, cabos e outros equipamentos da rede contribui para a extensão da vida útil desses ativos, postergando investimentos em substituição.
Riscos remanescentes e aspectos regulatórios
A implementação de novas tecnologias e metodologias exige uma atenção contínua à governança e à conformidade regulatória. É imperativo que os planos de manejo vegetal estejam em total alinhamento com as diretrizes da ANEEL, como a Resolução Normativa Nº 956/2021 [4], e com as legislações ambientais municipais e estaduais [6,7]. A supressão de vegetação nativa, por exemplo, frequentemente exige autorizações específicas de órgãos ambientais [8]. A colaboração estreita com as prefeituras é fundamental, uma vez que a responsabilidade pela arborização urbana é, em muitos casos, compartilhada. Além disso, a gestão de dados sensíveis e a segurança cibernética dos sistemas de IA e sensoriamento remoto são riscos que devem ser gerenciados proativamente.
O papel do Street Census na detecção e priorização
Para aprimorar ainda mais a metodologia operacional, ferramentas como o Street Census desempenham um papel crucial. O Street Census é uma plataforma que utiliza imagens capturadas por câmeras 360 acoplada a veículos. Graças a essa abordagem, não há necessidade de sensores caros como o LiDAR. A plataforma mapeia e classifica as árvores tanto pela proximidade da rede elétrica quanto pelo risco de queda sobre ela, fornecendo informações detalhadas sobre localização, altura e condição de cada indivíduo arbóreo. O monitoramento pode ser feito em movimento, a velocidades de até 40 km/h.
Ao integrar os dados do Street Census com os sistemas de gestão preditiva, as concessionárias podem obter uma visão ainda mais granular e precisa do risco arbóreo, otimizando a tomada de decisão e a alocação de recursos para intervenções de poda e supressão. Uma imagem demonstrativa mostra como as árvores são identificadas e classificadas, reforçando a aplicabilidade técnica e operacional da solução.

De Reação a Antecipação
A gestão de vegetação no setor elétrico está em um ponto de inflexão. A transição de abordagens reativas e cíclicas para um modelo preditivo, impulsionado por técnicas como inteligência artificial e visão computacional, não é apenas uma melhoria operacional, mas uma necessidade estratégica. As concessionárias que abraçarem essa transformação não apenas reduzirão custos e evitarão multas, mas construirão redes de distribuição mais resilientes, seguras e sustentáveis, garantindo a continuidade do fornecimento de energia em um cenário de crescentes desafios ambientais e regulatórios.
Sua distribuidora está pronta para dar o próximo passo em direção à resiliência da rede? Agende uma demonstração do Street Census e veja como reduzir riscos de queda arbórea na sua rede de distribuição.
Referências
Cemig. (2023). Queda de árvores é a principal causa de desligamentos acidentais em Minas Gerais. Disponível em: https://www.cemig.com.br/queda-de-arvores-e-a-principal-causa-de-desligamentos-acidentais-em-minas-gerais/
Cerbranorte. (s.d.). Trabalho de poda de árvores ajuda a evitar acidentes na rede elétrica. Disponível em: https://www.cerbranorte.com.br/noticia/trabalho-de-poda-de-arvores-ajuda-a-evitar-acidentes-na-rede-eletrica
Cegero. (2021). Árvores nas redes de energia: um prejuízo que vai muito além do financeiro. Disponível em: https://cegero.com.br/arvores-nas-redes-de-energia-um-prejuizo-que-vai-muito-alem-do-financeiro/
ANEEL. (2024). Proposta de Resolução Normativa sobre gestão de manejo vegetal. Disponível em: https://www.gov.br/aneel/pt-br/documentos/proposta-de-resolucao-normativa-sobre-gestao-de-manejo-vegetal
Equatorial Energia PA. (2024). Plantio de árvores próximo à rede elétrica provoca prejuízos ao fornecimento de energia. Disponível em: https://pa.equatorialenergia.com.br/noticias/plantio-de-arvores-proximo-a-rede-eletrica-provoca-prejuizos-ao-fornecimento-de-energia/
E-REDES. (2022). Gestão da Vegetação. Disponível em: https://www.e-redes.pt/pt-pt/gestao-da-vegetacao
Gesel/UFRJ. (2021). Manejo da vegetação em contato com rede elétrica: conflitos e incertezas jurídicas. Disponível em: https://gesel.ie.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/08/Manejo-da-vegetacao-em-contato-com-rede-eletrica-conflitos-e-incertezas-juridicas.pdf
Abracopel. (2023). Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica 2023. Disponível em: https://abracopel.org/wp-content/uploads/2024/03/Anuario-Estatistico-de-Acidentes-de-Origem-Eletrica-2023.pdf
2Neuron. (s.d.). ROI na Manutenção Preditiva: Como o Ultronline Gera Resultados. Disponível em: https://2neuron.com/blog/roi-na-manutencao-preditiva-como-o-ultronline-gera-resultados/
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